Resenha Talvez Nunca Mais um País - Flavio P. Oliveira

Editora: Delirium
Páginas: 237
Ano: 2015
Autor: Flávio P. Oliveira

Talvez Nunca Mais um País, uma distopia nacional com pitadas generosas de loucura, nos mostra o cenário, futurístico, da humanidade depois que dois vírus criam uma nova idade histórica. O primeiro consumiu as reservas de petróleo; o segundo adoeceu — e quase levou à extinção — a espécie humana. O protagonista desse enredo é um dos poucos humanos imunes à doença de Hoosbardo — uma doença semelhante à lepra — e por isso possui algumas regalias do governo, no entanto precisa manter isso em sigilo.
Já na primeira página descobrimos que ele está em apuros. Uma arma apontada para sua cabeça. Um simples aperto no gatilho e seus sonhos serão interrompidos.
Dizem que quando se está para morrer a vida passa diante dos nossos olhos. Flavio aplicou este ditado no livro. À beira de morrer, o personagem divaga nas lembranças dos dias que viveu: das divagações do avô e sua bengala aos colegas da juventude de apelidos infelizes — porém hilários.


"(…) São onze e meia da noite, e cadê festa? No dia seguinte dou um esporro em Zé Ruela, o qual não deixa de efusivamente gargalhar na minha cara."

São nesses delírios que o autor nos apresenta o cenário de sua distopia psicodélica. Ambientada no Brasil, mais precisamente no Rio de Janeiro, o autor nos mostra o cotidiano de seu protagonista em meio a esse cenário distópico. Por causa da setoriarização na cidade, e as pessoas impedidas de invadirem os setores melhores por causa de um chip esofágico, nosso personagem não tem muito o que fazer a não ser conversar com os pivetes na carcaça, brincar com as porcas de dona Borrêia, namorar a esposa por quem é declaradamente apaixonado, colecionar relíquias, além de ansiar delirantemente por um cinema.
O Flávio tem uma escrita bem peculiar. Os acontecimentos no decorrer da narrativa são atemporais, não seguem uma ordem cronológica exata, uma alusão perfeita de como as lembranças realmente nos acometem, além das pequenas loucuras inseridas no texto, que, vez ou outra, nos arrancam risos.  
A construção dos diálogos também me chamou muito a atenção, e é tão singular quanto sua escrita. O autor não faz uso de aspas ou travessões para indicar fala, simplesmente insere na narrativa. Ao final, insere um meio-travessão para explicitar a fala de determinado personagem.
Confesso que, se não ler com um pouco mais de atenção, a gente se perde na história, um pouco por causa dessa estrutura de diálogo e um pouco por causa do estilo atemporal com qual nos apresenta a história. Mas, calma!, isso acontece somente nas primeiras páginas. Não é difícil se habituar à narrativa do Flavio — que tanto foge do comum que estamos acostumados —, e logo estamos devorando as páginas sem nem perceber.


Quase acertei na quina — diz Espinhela Caída. — Só errei cinco números. 

Como se não bastasse, como eu já havia mencionado no post das Primeiras Impressões que fiz do livro, Flavio não dá nomes aos bois, digamos assim. São mais de duzentas páginas sem saber o nome de nosso personagem querido; e isso não é algo que atrapalhe a história. A escrita e o enredo da distopia nos envolvem de tal maneira que sequer nos damos conta deste fato; e ter conhecimento do nome do protagonista — que nos é revelado apenas na última página — se torna algo dispensável e não tão importante.
Flavio faz maestria com as palavras, põe emoção e é até mesmo um pouco poético. Sem dúvida, um livro fantástico e recomendadíssimo para aqueles que gostam de literatura nacional e de narrativa diferente ou para aqueles que buscam explorar novos estilos.
Talvez Nunca Mais um País, o diferentão.  

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